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Indústria Conserveira
Em meados do século XIX, no seguimento da Revolução Industrial que despontara no Reino Unido, o Sudoeste da Península Ibérica foi palco da fixação de uma próspera indústria conserveira próxima dos principais portos de pesca e estuários, onde era possível extrair grande quantidade de sal, matéria-prima essencial à produção das conservas.
Até o turismo ter trazido o modelo de desenvolvimento socioeconómico que proliferou até aos dias de hoje, isto é à década de sessenta do século XX, era outra a azáfama que caracterizava o estuário do Arade em ambas as suas margens: os apitos a chamar as mulheres das fábricas para irem tratar do pescado… era o palpitar do centro conserveiro de Portimão!
Até à entrada para o último quartel do século XX o Algarve era um dos mais importantes polos industriais do país, recebendo perto de 25% das capturas das pescarias nacionais. Em 1908, a região contava com cerca de três dezenas de fábricas conserveiras, sendo que dez anos mais tarde o número decuplicaria. Só na foz do rio Arade, em ambas as margens, nos concelhos de Lagoa e Portimão, existiram, de forma mais ou menos ininterrupta ao longo da primeira metade do século, cerca de duas dezenas de fábricas. Em 1968, o centro conserveiro de Portimão tinha 23 unidades de conservas em azeite e molhos e três de conservas em salmoura.
Embora para o concelho de Lagoa não exista ainda uma contabilização e sistematização exaustiva das fábricas e dos anos em que laboraram, nos anos 1960 sabe-se que eram mais de uma dezena, entre Ferragudo, Mexilhoeira da Carregação e Parchal, sem esquecer o caso individual de Carvoeiro.
A espaços é possível enumerar bem mais que a dezena, ainda que uma mesma fábrica pudesse ostentar outro alvará passados poucos anos de atividade ou apresentar diferentes designações, dependendo da fonte consultada.
O abastecimento das fábricas era garantido por uma numerosa frota de embarcações que capturava sardinha, cavala, atum, biqueirão e outros peixes, constituída por galeões a vapor e traineiras e enviadas a gasóleo, que lançavam as redes de cerco, por buques e canoas à vela ou a remos, que transportavam o peixe até à doca.
Havia, além das fábricas de conservas, aquelas que complementavam a cadeia de produção, nomeadamente as de farinha e de óleo de peixe. Atentando à quantidade de homens e mulheres necessária à produção, sem contar com a parte administrativa e indústria subsidiária (litografia, cunhos, cortantes, vazio, embalamento), a massa humana implicada era enorme. Só entre as duas dezenas de fábricas da foz do Arade seriam alguns milhares de operários.
A este número ainda acrescem mais umas centenas das tripulações de pescadores e de operários em terra: reparadores de redes, carpinteiros, pintores, fundidores, mecânicos, serralheiros, torneiros, afinadores de cravadeiras, motoristas marítimos, fogueiros, ferreiros, carregadores, maquinistas, estivadores, cargueiros.
O impacto socioeconómico que a indústria conserveira teve no concelho de Lagoa entre os finais do século XIX e os meados do século XX foi transformador. Oscilando entre a prosperidade e a decadência, fosse o ano abundante ou escasso em peixe, a indústria das conservas declinou definitivamente na década de 70.
Depois da revolução de abril os terrenos das fábricas, então em ruínas, foram sendo adquiridos para habitação e outros empreendimentos em consequência da terciarização da economia algarvia. Tanto do lado de Ferragudo como do de Portimão, o que ficou foi uma paisagem pós-industrial marcada pelas esguias chaminés das fábricas onde hoje só as cegonhas nidificam. É o que resta de um património que em tempos foi o rosto do cidadão lagoense, adulto ou criança, que durante décadas se sujeitou às más condições laborais e salariais, sobrevivendo ao árduo trabalho das fábricas, da pesca ou da salinicultura.