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Criação do Concelho
Antecedentes
Mesmo não sendo conhecidos dados concretos sobre a criação da povoação, Lagoa era um lugar proeminente no concelho de Silves, que acumulava privilégios pelo menos desde o século XV, podendo inclusivamente ter estatuto de freguesia desde o século anterior. Antes de ser elevada a concelho, o crescendo de importância do então lugar de Lagoa e os conflitos que se geraram entre o seu povo e os detentores de cargos oficiais em Silves, levaram o rei D. João III, em 1545, a determinar que um dos vereadores de Silves fosse nomeado de entre os cidadãos de Lagoa (FERRO, 1990, p. 21).
No século XVI, a conjuntura favorável ao desenvolvimento económico de Lagoa já se fazia sentir em pleno, embora os testemunhos dessa prosperidade sejam hoje pouco notados. Uma das causas é o terramoto de 1 de novembro de 1755, seguido de maremoto, que provocou grande destruição no centro histórico e nas imediações da pacata localidade de Lagoa. Nas Memórias Paroquiais de 1758 – ou Dicionário Geográfico do Reino de Portugal –, fica-se a conhecer com pormenor os efeitos do cataclismo que destruiu a vila, onde os edifícios mais robustos, construídos em alvenaria, solução construtiva ao alcance das classes mais abastadas, foram os que mais resistiram. A reconstrução das localidades e dos seus principais edifícios civis e religiosos caídos por terra arrastou-se no tempo, levando o Marquês de Pombal a solicitar um inquérito a todos os párocos que apurasse, entre outras coisas, os estragos provocados (CARVALHO e VIDIGAL, 2006, p. 67-70).
O Alvará Régio de D. José
Além dos aspetos económicos, também a administração local mereceu a intervenção pombalina, sendo uma das medidas de maior destaque a atribuição do estatuto de vila e concelho a Lagoa por alvará régio de 16 de janeiro de 1773, que criava a sua jurisdição com os lugares de Estômbar, Ferragudo e Mexilhoeira da Carregação. Porches, que tinha tido autonomia concedida pelo foral de D. Dinis, em 1286, extinta, em 1370 com a incorporação no termo de Silves, só tardiamente, em 1834, integraria o concelho de Lagoa.
O documento atribuído a Lagoa, por D. José I, é-lhe outorgado na sequência da referida reforma pombalina. O manuscrito determinava, ainda, a elevação de Monchique a vila e concelho, ao mesmo tempo que promovia a inclusão de Moncarapacho, no termo de Faro; de Alte e Boliqueime, no termo de Silves e a abolição da vila de Alvor, por anexação ao termo de Portimão. Os novos concelhos, Lagoa e Monchique, assimilaram parte do território do vasto e empobrecido concelho de Silves.
Nas razões para a criação do concelho de Lagoa encontra-se a elevada demografia do lugar, que crescia desde o último quartel do século XVII; a posição geográfica bastante favorável, no coração do Algarve, junto ao mar bem como a boas vias de comunicação terrestres e marítimas (FERRO, 1990, p. 28). Por outro lado, podem apontar-se a compensação da Casa da Rainha pela abolição da vila de Alvor, que lhe pertencia, ou a reversão do centralismo concelhio de Silves devido à extensão do seu termo, que não permitia uma administração eficiente do território (FERRO, 1990, p. 57). Seguiu-se outra carta régia, que criou a governança da vila de Lagoa, nomeando para primeiro Juiz de Fora e dos Órfãos, o Doutor Francisco Luís Martins Veloso (SANTOS, 2001, I, p. 256-257).
Século XIX: Predomínio da Instabilidade
Expulsos os franceses, a aclamação de D. João VI e a fuga da corte para o Brasil gera um clima de insurgência contra os invasores. A Revolução Constitucional de 1820 não trouxe alterações de fundo ao ainda “jovem” concelho de Lagoa. As cortes, agora constitucionais, eram aceites pelos algarvios e o Liberalismo ganhava seguidores. Mas, em Lagoa, imperava o conservadorismo das famílias nobres rurais, absolutistas e aparentadas entre si, que resistiam à mudança política e aos ideais liberais (CARMO, 2016, p. 109). Eram indivíduos que ocupavam cargos autárquicos e os acumulavam com os rendimentos agrícolas.
Na administração, Mouzinho da Silveira procede a uma reestruturação judicial, reorganizando a divisão do território em províncias, comarcas e concelhos. As comarcas e os concelhos algarvios não sofreram alterações significativas, todavia Lagoa passou a Julgado, integrando a Comarca de Silves. O último Juiz de Fora da vila seria o Doutor Aires Pinto Magalhães, fechando o ciclo iniciado no cargo, em 1773 por Francisco Luís Martins Veloso (SANTOS, 2001, I, p. 275).
A oposição de ideais políticos redundou em confrontos sangrentos a ponto de sobressair a figura de José Joaquim de Sousa Reis, conhecido por “Remexido”. Cidadão natural de Estômbar, conservador e acérrimo defensor do Absolutismo, foi implicado em episódios de violência e guerrilha um pouco por todo o sul português (SANTOS, 2001, II, p. 376), que a assinatura da Convenção de Évora Monte, em 1834, não cessou. O clima perdurou uma década e, apesar dos sucessivos apelos da Câmara Municipal, Lagoa estava em pé de guerra. Volvidos quatro anos, a prisão e condenação à morte do Remexido trouxe uma aparente acalmia. Contudo, em Lagoa, o ambiente conservador mantinha-se, com a permanência da elite conservadora no desempenho de funções políticas (CARMO, 2016, p. 113).
Espaço Administrativo: Evolução e Definição das Freguesias
Estômbar é das mais antigas freguesias algarvias e a mais mourisca das localidades de Lagoa. Não existindo dados concretos, a criação da freguesia de Estômbar poderá ser anterior a 1564, contrariando a ideia generalizada da sua posterioridade face a 1577, após Silves perder a sede de bispado (RIBEIRO, 2003, p. 6). Povoação com origem no castelo islâmico datado dos séculos XII-XIII, conquistado por D. Sancho I em 1189, desenvolveu-se como uma das melhores alcarias do termo de Silves (REIS, 2009, p. 41). Transitou para o concelho de Lagoa no momento da sua criação, em 1773. A sua elevação a vila só aconteceu no final do século XX, a 16 de agosto de 1991, pela Lei nº 89/91 de 16 de agosto, formando, com o Parchal, desde 2013, a União das Freguesias de Estômbar e Parchal, na sequência da reforma administrativa nacional que reorganizou as freguesias, extinguindo a freguesia do Parchal, que era sede de freguesia desde 20 de junho de 1997, por desagregação da de Estômbar.
Diz-se que o topónimo Parchal tem origem no árabe. Não obstante, a localidade está certamente ligada ao Convento do Praxel, erigido ali perto, no Calvário, topónimo do qual terá derivado o nome da quinta cercada de terrenos alagadiços que deu origem à moderna povoação (REIS, 2003, p. 6). Embora recente, o Parchal tem mais de dois séculos de existência como sítio de “passagem” da barca entre as margens do Arade, junto à sua foz.
Faz parte da mesma unidade administrativa a Mexilhoeira da Carregação, também conhecida por Mexilhoeira Pequena ou Mexilhoeirinha, povoação que se dizia ser o mais desenvolvido lugar da freguesia de Estômbar nos inícios do século passado. A povoação remontará a 1495, quando D. João II autorizou a fixação de pescadores e lhes concedeu carta de privilégios (OLIVEIRA, 1911, p. 148). Do seu porto fluvial, lugar privilegiado do rio e polo de concentração económico-agrícola, saíam frutos secos e outros bens de consumo para o resto do país e estrangeiro (SANTOS, 2001, I, p. 169).
Instituída povoação a pedido da Câmara Municipal de Silves, por carta de privilégios concedia pela Rainha D. Leonor, de 21 de agosto de 1520, Ferragudo fez parte da freguesia de Estômbar até 1749, quando se tornou independente, num processo pouco pacífico que se arrastou por 13 anos (SANTOS, 2001, I, p. 175). Foi reconhecida como povoação com a condição de nunca ser desanexada do termo de Silves (CARMO, 2016, p. 106).
A necessidade de povoar a foz do rio Arade, na sua margem esquerda, com vista ao desenvolvimento económico e expansão da circunscrição territorial da cidade de Silves, levou à criação da freguesia, cuja autorização foi concedida a 9 de dezembro desse ano pelo então bispo do Algarve, D. Inácio de Santa Teresa, com a condição dos habitantes facultarem habitação para o novo pároco e pagarem, a cada ano, um prémio de 72.000 réis (MARTINS, 1989, p. 18). Contudo, a decisão do bispo seria contrariada pelo prior de Estômbar, a 2 de junho de 1755, da qual apelaram os moradores. Com a morte do pároco de Estômbar, Lourenço de Mello e Cunha, o seu sucessor cede à vontade de Ferragudo se constituir freguesia. O veredicto do novo bispo, Frei Lourenço de Santa Maria, saiu a 13 de junho de 1762, novamente sob contrapartidas, através do pagamento por parte do pároco de Ferragudo ao de Estômbar, do valor de 8.000 réis, em duas prestações anuais. Da criação da povoação, em 1520 à elevação a freguesia, decorreram 242 anos e daí à categoria de vila, 237 anos.
Apesar de a atividade turística ter tido, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, enorme impacto na ocupação da orla costeira com a alteração dos cascos urbanos, alguns dos núcleos piscatórios chegaram a meados da centúria mantendo algumas das características topográficas e morfológicas. A partir de meados da década e, sobretudo nos anos seguintes, a Praia do Carvoeiro foi-se construindo como uma estância balnear, distante do mero lugarejo piscatório com origem nos povos do Burro e Colina do Paraíso (REIS, 2013, p. 97).
Ultrapassados os obstáculos político-administrativos, Carvoeiro seria freguesia a partir de 11 de julho de 1985, desanexando-se de Lagoa. É legítimo inferir que o desenvolvimento trazido pelo sector turístico foi preponderante para a conquista deste estatuto e para a elevação a vila, alcançada a 19 de abril de 2001 e que coincidiu com a elevação de Lagoa a cidade. Duraria pouco tempo esta autonomia, já que no âmbito da aludida reforma administrativa das freguesias, a de Carvoeiro seria extinta a 21 de dezembro de 2012, passando a formar, com Lagoa, a União das Freguesias de Lagoa e Carvoeiro.
Efémera foi também a autonomia de Porches como concelho. Conquistado o castelo aos mouros, em 1250, Afonso III doou-o com todos os bens existentes nos seus limites territoriais ao Chanceler Estêvão Anes, como reconhecimento pelos seus feitos para a causa da Reconquista do Algarve (SANTOS, 2011, I, pp. 192-193). Porches era um lugar fortificado, que importava desenvolver como posto estratégico na defesa contra a navegação inimiga, motivo pelo qual D. Dinis lhe atribuiu foral, em 1286, ignorando, no entanto, a decisão e vontade de seu pai de o conceder ao fiel servidor a título perpétuo.
Em menos de um século, a 30 de janeiro de 1370, D. Fernando fará uma nova doação, desta vez à cidade de Silves, extinguindo o concelho. Em meados do século XVI, com localização mais interior e nova designação (Porches-Novo e não Porches-Velho), o aglomerado populacional disfruta de alguma expressão (SANTOS, 2001, I, p. 203). Em 1834, com o advento do Liberalismo é incorporado no concelho de Lagoa, como freguesia do seu termo. Na transição, o território que Porches ocupara, isto é, aquele que no século XIV passou a integrar o termo de Silves, foi mantido. A elevação a vila chegou já neste século, a 12 de julho de 2001.
Desde a criação do concelho, a evolução geográfica do território de Lagoa foi sofrendo alterações nas delimitações, com localidades e freguesias a ser integradas ou desagregadas e até permutadas com o vizinho concelho de Silves, sendo que algumas das mudanças foram efémeras ou não passaram do papel. A partir da década de 60 do século XX, não mais se registaram alterações às fronteiras externas do concelho. Internamente, a criação das freguesias de Carvoeiro e Parchal e a sequente reunificação destas às freguesias de Lagoa e Estômbar, respetivamente, são as únicas alterações ocorridas.
Epílogo
Nas contendas com o vizinho concelho de Silves, encontramos as primícias da emancipação de Lagoa como vila e concelho, em 1773, há precisamente 245 anos. Litígios esses, que chamaram a atenção dos monarcas e regentes, para uma região que há muito deixara de merecer a sua atenção.
No plano quotidiano, nem mesmo a obrigação de eleger um Vereador de Lagoa para a Câmara de Silves constituiu motivo apaziguador entre as populações. Lagoa ostentava orgulhosamente a sua promoção a termo, exibindo Estômbar, Mexilhoeira da Carregação e Ferragudo, enquanto símbolos de um território que vinha formando e consolidando, progressivamente, a sua identidade.
A mudança acarretou desentendimentos internos no recém-criado concelho, sobretudo ao nível das pretensões no acesso aos cargos públicos. Por outro lado, também entre nas freguesias se levantaram idênticos problemas, embora a emancipação e/ou criação de uma nova freguesia não fosse um processo que implicasse a perda de território por parte de outra.
O século XVIII foi, como se viu, muito importante para a definição do atual concelho de Lagoa, registando acontecimentos determinantes para a evolução da estrutura administrativa do Reino do Algarve. A reforma pombalina, com o fomento da pesca, salicultura, agricultura, atividades manufatureiras e comércio, aliados aos acontecimentos anteriormente descritos, estão na génese da atribuição da carta régia que criou o concelho.
Gradualmente, Lagoa foi consolidando a sua administração e economia tendo, nos particularismos de cada localidade, decorrentes das divergências que as circunstâncias do passado foram contrapondo, mas que as gentes souberam atenuar em prol de um território uno, uma das características que enformam e reforçam a sua identidade territorial.
Referências Bibliográficas
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CARVALHO, Guida; VIDIGAL, Luís (2006) – Vila do Bispo e o Algarve em 1758, Loulé: Associação de Defesa do Património Histórico e Arqueológico de Vila do Bispo;
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REIS, João Vasco (2015) – Lagoa – Imagens e Memória. Comemoração dos 240 Anos da Criação do Concelho de Lagoa (1773-2013), Albufeira: Câmara Municipal de Lagoa / Arandis editora;
RIBEIRO, Bárbara (2003) [coord.] – Catálogo da Exposição “230 anos de Concelho” (16 de janeiro a 28 de março), Lagoa: Câmara Municipal;
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